A roupa de croá, que oculta o seu rosto, balançando o maracá com muita fé, com muito gosto... (Fonte da imagem: site Índios On line)Cresce migração de índios para favela
Integrantes do grupo pankararu reclamam da miséria na aldeia, em PE, e buscam em São Paulo emprego e oportunidade
Este ano, 509 famílias vivem na favela do Real Parque, no Morumbi - há três anos, eram 400; em todo o Estado, existem cerca de 1.500
(Fonte: Folha On line - RICARDO GALLO, DA REPORTAGEM LOCAL - SALVATORE CARROZZO, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA)
Faz seis meses que Cícero não sabe o que é ver mulher e filho. Em abril, deixou a aldeia Brejo das Almas, no interior de Pernambuco, para viver de favor numa favela de São Paulo. Tudo para conseguir um emprego e sair da miséria. "Mas está difícil. Não consegui nada até agora", disse.
Cícero é um índio pankararu, exemplo de um fenômeno que cresce em São Paulo -a dos pankararus favelados em busca de oportunidade.
Em 2006, são 509 famílias apenas na favela do Real Parque, no Morumbi (zona oeste), contra 400 três anos atrás. No Estado, há cerca de 1.500. A favela do Real Parque sedia a associação Pró-Pankararu, que representa a etnia no Estado -foi lá que os primeiros deles chegaram a São Paulo.
"A miséria lá [em Pernambuco] está grande. A safra na aldeia não dá nada, então eles vêm para ganhar a vida aqui", afirmou o líder da comunidade, Bino Pankararu. Quinze dias atrás, disse, ele recepcionou 11 pankararus, que pagaram R$ 200 pela viagem em ônibus clandestino -mais barato.
O que os afasta da aldeia é a miséria: a venda de milho e feijão, duas das culturas de subsistência, rende R$ 50 mensais para as famílias. Em São Paulo, tentam empregos que não exijam qualificação -servente de pedreiro e ajudante de obra.
Realidade dura
Bastam alguns dias na metrópole para notar que emprego é coisa rara. Então, em vez de casebres da aldeia, os índios passam a habitar barracos de madeira, com energia elétrica improvisada, além de conviver com esgoto nas ruas.
Em meio a casas de tijolo à mostra e barracos improvisados, a entidade tenta preservar a cultura indígena. "E os vizinhos respeitam", afirmou Bino.
Eles, os vizinhos de favela, acharam bonito quando, paramentados com roupas de palha, cobertos até a cabeça, os pankararu se exibiram na entrada da Real Parque, em abril deste ano. O toré, como é conhecida, tem passos ritmados e som de flauta. Exige muita concentração: só vestem a roupa aqueles "puros de espírito", que não mantiveram relações sexuais há pelo menos três dias. "E o nome do índio que veste a roupa ninguém sabe", afirma Bino.
A pedido da Folha, três índios se vestiram para dançar o toré ontem. Atenta, a pankararu Maria Helena da Silva, 56, se emocionou. "Dá muita saudade da aldeia", diz ela, quatro meses de São Paulo.
A cultura é mantida ainda nas sessões de fumo, chamado de campiô. Nelas, até as crianças tragam a mistura de fumo e ervas. "É a nossa tradição. Uma vez fui a uma escola e reclamaram disso. Falei que, se fosse assim, a gente pararia a apresentação. Eles entenderam."
Os pankararu da favela Real Parque sobrevivem do trabalho, da ajuda de vizinhos e da renda de apresentações. Deixar os barracos, por ora, é uma esperança distante. Para tentar sair da favela, a comunidade pediu à prefeitura e ao Estado uma porção de terra para criar uma aldeia. Procurados, prefeitura e Estado disseram não haver projetos específicos para a etnia pankararu.
Da Funai (Fundação Nacional do Índio), eles recebem auxílio-transporte para o Estado natal e um projeto de bolsas de estudo integrais para graduação na PUC -26 indígenas foram beneficiados.
Migração
A história dos pankararu em São Paulo começou nos anos 50, quando, expulsos por posseiros, migraram em busca de emprego. Fixaram-se na região que mais tarde daria origem à favela Real Parque, trabalhando na construção do estádio do Morumbi e do Palácio dos Bandeirantes. Com o tempo, a intensificação do fluxo de índios deu origem a verdadeiras aldeias urbanas, encravadas nas favelas de Paraisópolis e do Grajaú (zona sul) e parque Santa Madalena (zona leste).
(Colaborou KRISHNA MONTEIRO , Colaboração para a Folha)