O pequeno, o simples, o silêncio, a liberdade
por Washington Novaes, jornalista especializado em meio ambiente (wlrnovaes@uol.com.br)
(Fonte: Estadão, 13/10/06 - trechos de artigo publicado no site Jornal da Ciência )
O autor destas linhas acaba de retornar de uma viagem a reservas indígenas do Alto Xingu, norte de Mato Grosso e sudoeste do Pará, documentadas para uma série de programas para televisão.
Nesses lugares, praticamente desaparece o convívio com o 'grande', que é presença quase única na comunicação nacional. Existe televisão em casas de todas as aldeias.
Mas o noticiário é pouco visto, porque está muito afastado do interesse dali e porque para vê-lo é preciso ter combustível que alimente o gerador de energia (e isso custa dinheiro, escasso nesses lugares).
Como também quase não há notícia da vida fora de casa – que no espaço urbano toma quase todo o tempo disponível –, retorna-se, então, ao 'pequeno', ao cotidiano da aldeia, às relações pessoais, aos fatos aparentemente sem importância do dia-a-dia, mas cheios de significados e emoções. Retorna-se ao silêncio.
À relação forte com a natureza, no banho de rio ou lagoa, no contato com o solo (anda-se muito a pé), na visão da imensa abóbada celeste, noite e dia. À visão do que podem ser a liberdade e a alegria das crianças.
À cor, à dança, à tradição. À consciência de que não são indispensáveis gigantescas construções para tudo.
Como ensina o índio Ailton Krenak, 'vocês, brancos, sempre querem fazer coisas enormes, definitivas, eternas; na nossa cultura, tudo é transitório, como a vida; até a casa, que de tempos em tempos é refeita'.
A relação com a outra notícia está em que os índios do Parque Indígena do Xingu e de reservas mais ao norte, como os metuktires (antigamente chamados de txukarramães) e os panarás (antes chamados de kren-akarores, ou 'índios gigantes'), temem muito as conseqüências, em seu modo de viver, da implantação da hidrelétrica agora liberada e de outras previstas para rios formadores do Xingu (estão planejadas mais cinco).
Embora a decisão da Justiça não seja definitiva, até que se chegue a uma sentença final podem transcorrer cerca de dois anos - e até lá as obras poderão ser completadas, o que provavelmente as tornará definitivas.
Os grupos indígenas têm vários argumentos.
O primeiro é de que a hidrelétrica do Kuluene afetará a reprodução dos peixes - e eles são básicos para a sua subsistência.
O segundo é de que reservatórios de hidrelétricas podem afetar o fluxo de rios, na fase de enchimento e em épocas de estiagem, quando acumulam água, prejudicando quem esteja a jusante.
Terceiro, que o reservatório ocupa área considerada sagrada, onde surgiu o cerimonial do Kuarup.
Quarto, que outro laudo, ainda não divulgado pela Funai, mostraria que parte da área também é território tradicional xavante.
Quinto, que essa ocupação intensificará o processo de desmatamento do entorno do parque pela agropecuária – o que já vem tendo conseqüências sérias, com a poluição por agrotóxicos e perda de matas ciliares afetando os fluxos hidrológicos.
O Parque Indígena do Xingu, na expressão forte de Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio, está recebendo 'o abraço da morte'.
Todos os grupos mencionados não se conformam com a implantação das hidrelétricas. E aos seus argumentos se acrescenta o do Ministério Público Federal segundo o qual o licenciamento de Paranatinga II pelo governo de Mato Grosso contraria a legislação, pois seria necessário licenciamento pelo Ibama, dadas as características do rio.
E a previsão de várias hidrelétricas exigiria o licenciamento conjunto, para toda a bacia, não apenas para o espaço dessa obra.
A empresa construtora argumenta que comprou em leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o direito de implantar essa usina, já licenciada.
Mostra que fará um canal ao lado da barragem para permitir o fluxo de peixes. E apresenta laudo de cientistas segundo os quais o reservatório não comprometeria a área sagrada para os índios.
Todos os argumentos poderão tornar-se secundários, pois quando vierem a ser apreciados para o julgamento final a barragem poderá ser irreversível.
Mas qualquer que seja a visão que se tenha, não haverá como escapar - estão em jogo o grande e o pequeno, o simples e o complexo, o transitório e o 'definitivo', modos de viver muito diferentes.
É sempre muito comovente ler esses relatos. Tão simples isso...a vida é mesmo impermanente, transitória...
ResponderExcluirum grande beijo
Então que grande seja o silêncio que os separa dos inconvenientes problemas do pequeno mundo de cá...que reine entre eles a paz e verdade de sua rica cultura.
ResponderExcluirlindo dia querida amiga,perdoa meu sumiço...
beijossssssss
Ana, essa simplicidade é repleta de vida, de coração!! Beijos da Ursa para você e para Tomie :))
ResponderExcluirMárcia Clarinha, você é sempre bem-vinda à floresta a qualquer hora. Beijos floridos da amiga Ursa! :))