Nem tudo está perdido
Em conversa vadia, Darcy Ribeiro contava histórias de sua convivência com os índios, não me lembro se Kadiweu, Terena on Kaigang – uma das tribos do Xingu, onde viveu.
Na tribo, ele observava o índio pai brincando com o filho indiozinho. O pai trabalha o barro com paciência e minúcia indígenas e conforma o vasilhame, espécie de bule, com bico, tampa, asa e adornos. Põe junto ao índiozinho que, com uma paulada, destroi todo o trabalho e se diverte – com a aprovação afetuosa do pai que, serenamente, inicia nova peça. O mesmo capricho e a mesma dedicação para o bico, a asa, a tampa e os adornos. Outra vez entrega ao indiozinho que outra vez a destrói a pauladas. E, assim, inumeras vezes.
Querendo ajudá‑lo na brincadeira, Darcy se aproxima e sugere: "Já que ele vai mesmo destruir, por que não simplifica, tira os adornos, o bico e a alça? Fica mais rápido". O índio estranha a sugestão: "Não estou com pressa. Brinco com meu filho, coisa mais bonita que fiz na vida, que vai ficar quando eu for, e quer brincar com o bico e a alça. Se não for com tudo direito, não vai querer brincar, vai achar que engano ele. Não vou ser honesto, ele vai achar que nenhum é honesto e que não há honestidade". Para o índio, brincar era jogo com regras que não admitiam trapaças, que infundiam valores, princípios de vida, e refluíam memória, cultura e religiosidade. Por isso, índio não ensina, índio educa. Verbos no passado refletem a contaminação do branco.
Querendo ajudá‑lo na brincadeira, Darcy se aproxima e sugere: "Já que ele vai mesmo destruir, por que não simplifica, tira os adornos, o bico e a alça? Fica mais rápido". O índio estranha a sugestão: "Não estou com pressa. Brinco com meu filho, coisa mais bonita que fiz na vida, que vai ficar quando eu for, e quer brincar com o bico e a alça. Se não for com tudo direito, não vai querer brincar, vai achar que engano ele. Não vou ser honesto, ele vai achar que nenhum é honesto e que não há honestidade". Para o índio, brincar era jogo com regras que não admitiam trapaças, que infundiam valores, princípios de vida, e refluíam memória, cultura e religiosidade. Por isso, índio não ensina, índio educa. Verbos no passado refletem a contaminação do branco.
Em palestra para professores e estudantes em São Paulo, narrei o episódio do índio pai educando o filho e ressaltei a perdida magia da transmissão do saber. Hoje, entregue à sabença de educadores, forma os jovens para serem mais produtivos do que humanos – vai ver sabem o que ignoramos: por que e para que viemos ao mundo!
Ao final, fui procurado por um jovem que queria contar a história que ouviu, parecida com a que narrei. Na versão dele, o índio pai faz para o filho jarros completos e acabados, que a criança também destrói com uma pedra. E tudo se repete: novo jarro, nova destruição, inúmeras vezes. Até que a criança, por vontade própria, em vez de destruir, imita o pai: e, com as próprias mãos, conforma o jarro com asas, tampas e adornos. Com o mesmo barro e a mesma técnica. faz novo jarro, mais sólido, mais útil, mais bonito que o do pai.
Ele entendeu o que Darcy quis dizer, o que culturas antigas vêm dizendo: que a aprendizagem, sem deixar de ser dor e prazer nem inibir o modelo individual de felicidade, é pedra de toque na evolução da espécie humana. Nem tudo está perdido.
Ao final, fui procurado por um jovem que queria contar a história que ouviu, parecida com a que narrei. Na versão dele, o índio pai faz para o filho jarros completos e acabados, que a criança também destrói com uma pedra. E tudo se repete: novo jarro, nova destruição, inúmeras vezes. Até que a criança, por vontade própria, em vez de destruir, imita o pai: e, com as próprias mãos, conforma o jarro com asas, tampas e adornos. Com o mesmo barro e a mesma técnica. faz novo jarro, mais sólido, mais útil, mais bonito que o do pai.
Ele entendeu o que Darcy quis dizer, o que culturas antigas vêm dizendo: que a aprendizagem, sem deixar de ser dor e prazer nem inibir o modelo individual de felicidade, é pedra de toque na evolução da espécie humana. Nem tudo está perdido.
QUE LEGAL !!!
ResponderExcluirUma ótima semana pra você, minha querida Angela Ursa !
Jôka, muito carinho da Ursa para você!! Beijos florestais de domingo :))
ResponderExcluirAngela, essa história me comoveu tanto... realmente, nem tudo está perdido. Ainda bem, né?
ResponderExcluirNão se precisa se utilizar da violência para educar.
ResponderExcluirBom ter citado Darcy Ribeiro,beijos floridos.
Janaína Staciarini, eu também achei muito bonito esse aprendizado através da brincadeira entre o pai e o filho. Beijos floridos! :))
ResponderExcluirJanaina de Almeida, eu sou totalmente contra o uso da violência em qualquer sentido. Beijos da Ursa!
Criamos uma nova floresta. Diz-se virtual mas um dia todos juntos havemos de fugir destes espaços que pertencem a nada e a coisa nenhuma.
ResponderExcluirUm dia o Google mostrará que afinal é "evil" e as pessoas hão-de juntar-se em espaços limpos como este que vos convida:
www.blogtok.com
É vosso: reclamem-no.
Obrigado por existirem
Entre os indios, não! Mas e entre os "civilizados"? Boa semana! Beijus
ResponderExcluirBeijos, minha amiga Ursa !
ResponderExcluirBlogtok, obrigada pela visita! Abraços florestais! :))
ResponderExcluirLuma, é verdade. Nesse caso, são "civilizados" só na palavra, porque a prática é um horror! Beijos
Jôka, muito carinho da Ursa para você! :)) Beijos!
Oi,dona Ursa, vim para agradecer o belo texto Ser Feliz. Adorei, obrigada. E aqui encontro essa não menos linda história do índio. Puxa! É bom ler coisas boas assim.
ResponderExcluirBeijo.