quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Em seu livro A Marcha para o Oeste, os Villas Bôas colocam o dedo na ferida: "É um erro pensar que o índio guerreia movido simplesmente por um costume inato. Em princípio sua índole é boa, melhor ainda era no começo, quando aqui chegaram os primeiros navegadores europeus. O primeiro encontro foi pleno de paz e compreensão. Mas essa harmonia não teve longa duração. O interesse pelos bens da terra nova atiçou a ambição do conquistador. Um verdadeiro estado de guerra foi criado pelos métodos de exploração e, principalmente, pela tentativa de escravização do índio." (Fonte)

O botocudo Raoni exibe um de seus amigos da floresta
Último encontro entre Villas Boas e Raoni (Fonte das imagens)

Uma entrevista com Orlando Villas Boas
(Fonte: site Com Ciência)

Com Ciência - Houve alguma mudança na vida dos índios após as comemorações?
Orlando Villas Bôas
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Não. A situação continua essencialmente a mesma. Não obstante, a atual gestão da FUNAI pareça ter um maior interesse que a desastrada gestão anterior, é possível verificar a continuidade no estado de abandono das aldeias, sobretudo daquelas que se localizam na faixa litorânea ou gravitam à margem de grandes centros urbanos, como é o caso das aldeias do Jaraguá e Parelheiros aqui em São Paulo. Esses são exemplos de uma pseudo-política integracionista que não integra ninguém, apenas desestrutura e exclui. As comemorações do Brasil 500 anos foram para "inglês ver" e, de fato, talvez eles as tenham visto. O índio certamente não viu nada.

Com Ciência - Segundo a organização do evento "Brasil 500 anos", houve uma renda de R$ 4,5 milhões, entre bilheteria e venda de catálogos, de um total de 1.883.872 visitantes somente na cidade de São Paulo. O Sr. foi informado se houve ou há algum projeto para que parte desta renda seja revertida aos indígenas?
Villas Bôas -
O evento "Brasil 500 anos" não atingiu o índio. Ele foi esquecido como esquecido continua sendo. Para boa parte de nossa gente, e isso inclui até nossas autoridades, o índio é ainda uma figura folclórica. Desconheço qualquer projeto que estabeleça a reversão de parte da renda obtida na "comemoração" para as comunidades indígenas.

Com Ciência - Quando o sr. afirma que "os índios, tal como o conhecemos na sua cultura pura, não existirão mais", qual o aspecto mais relevante que o faz pensar assim? Dos 851.196.500 hectares do território brasileiro, as terras reservadas aos indígenas ocupam 104.367.993, ou seja 12,26%. Este número é suficiente? Além de outros fatores, isto influencia de que maneira na expectativa de vida indígena?
Villas Bôas - Os índios caminham para o fim. Bom seria se sobre eles chegasse a nossa proteção. A proteção do Estado e as da gente. Parece que nós não levamos em conta que eles nos deram um continente para que nos tornássemos uma nação. Não creio entretanto que haja apenas um aspecto essencial para isso. Há, isso sim, uma conjunção de aspectos que vão desde o descaso do poder público à sanha de riqueza de vários grupos que tornam o índio como um estorvo, ou como um meio de enriquecimento. Não basta garantir a terra do índio (o que por vezes nem sequer é feito), é preciso resguardá-lo de um contato indiscriminado com pessoas que visam explorar as riquezas dessa terra e de sua cultura.

Com Ciência - Marechal Rondon tinha como ideal em relação aos índios, o lema "Morrer se preciso for, matar nunca", que era seguido à risca por todos os integrantes da Fundação Brasil Central (FBC). Como o sr. vê este lema nos dias de hoje?
Villas Bôas -
Não canso de dizer que vivemos num país sem memória. Não fosse isso, o velho Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon seria considerado por todos como o maior homem do século XX. Foi ele que, já no início da República começou a implantar as linhas telegráficas nas selvas do Planalto Central brasileiro, desbravando nossos sertões e empurrando nossas fronteiras até encostar nos andes. Foi ele também que, muito adiante de seu tempo, criou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910. Rondon era um humanista. O lema "morrer se preciso for, matar nunca", apenas expressa o ideal de Rondon no trato com estas gentes. Sua preocupação com os índios foi decisiva na história de nosso país. Nós tivemos o privilégio de conhecê-lo, e dele nos tornarmos amigos em meados da década de quarenta, quando engajávamos na Marcha para o Oeste, que havia sido criada em 1943 por Getúlio Vargas. Lembramos que ainda no início da expedição Roncador-Xingu, a intervenção de Rondon foi decisiva para que os índios Xavantes não fossem massacrados por uma frente militar que iria "limpar o caminho" para a expansão brasileira. Após alertarmos o Marechal a respeito disso, ele mandou que a frente militar fosse suspensa, e foi quando assumimos a vanguarda da Expedição. Rondon influenciou toda uma geração de indigenistas e antropólogos brasileiros, dentre os primeiros incluo a mim, e a meus irmãos Cláudio, Leonardo e Álvaro. Dentre os segundos, destaco sobretudo, Darcy Ribeiro. Hoje Rondon está esquecido e, com ele, toda uma política de trato com os índios que foi se estiolando até descambar no que hoje temos.

Com Ciência - Em uma oportunidade, o senhor disse que após tantos anos vivendo na selva com os índios, de alguma maneira, o sr. se transformou em um deles. Então, será que o sr. poderia dizer qual foi o significado/ou sentimento que as comemorações do Redescobrimento do Brasil gerou nos indígenas? Tiveram motivos ou benefícios para festejar?
Villas Bôas - Em verdade não chegamos a nos "transformar" em índios. Entretanto, o que nos impressionou ao longo do convívio com eles, foi observar uma verdadeira lição de como se deve viver em sociedade. Nunca vimos dois índios discutirem, nem um casal se desentender. Entre os índios, o velho é o dono da história, o homem é o dono da aldeia, e a criança é a dona do mundo. Diante do que vimos, hoje podemos aquilatar o que não devem eles ter sofrido ante uma gente desordenada e, por essa razão, os índios nada têm a comemorar ou festejar.

Atualizado em 10/04/01

3 comentários:

  1. O que fazem com o índio brasileiro é o mesmo que fazem com qualquer minoria, no mundo todo! Marginalizam.
    Quantos anos Raoni tem agora? Beijus,

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  2. Tenho certeza de que, vivi e morri em outras vidas, ao menos em uma delas eu fui indígena, porque adoro os costumes, as crenças, o ritual pela terra... Acho os indígenas um povo mágico que, infelizmente, não nos preocupamos em conservar suas crenças cuidadoras.

    Beijoooooooooooossssssssss

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  3. Luma, é verdade, a discriminação persiste. Quanto ao Raoni, ele deve ter uns 85 anos atualmente. Beijos floridos!

    Amiga Loba, então somos duas. Eu também tenho uma forte ligação com os índios que não sei de onde vem. Beijos da Ursa!

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