domingo, 12 de setembro de 2010


Índios Maxacalis "aldeados" no entorno da Secretaria Municipal de Sáude de Teófilo Otoni, nordeste de MG. Em total situação de miséria e abandono. (Fonte: blog da mnc)



José Padilha mostra antropólogos como vilões no documentário "Segredos da Tribo"
Por Marco Tomazzoni, iG São Paulo - publicado no blog da mnc

Quem vê de fora, acha que "Segredos da Tribo", o novo documentário de José Padilha ("Tropa de Elite", "Ônibus 174"), vai mostrar um outro lado dos ianomâmis, que caíram nas graças dos pesquisadores na década de 1960 e foram até visitados por Sting 20 anos depois, quando a floresta Amazônica e a importância de sua preservação conquistaram a mídia. Mas o filme – que abre o festival É Tudo Verdade no Rio de Janeiro – mostra, isso sim, os segredos escabrosos de outra tribo, a dos antropólogos estrangeiros que passaram a estudar os índios na fronteira entre Venezuela e Brasil. Vêm à tona escândalos de genocídio e exploração sexual, coisa de fazer a comunidade científica se esconder embaixo da poltrona.
Nada disso, porém, é algo inédito. A polêmica se instalou ao longo dos anos em artigos de publicações especializadas, livros e, eventualmente, na imprensa. Aqui, no entanto, Padilha reuniu material de arquivo e colheu depoimentos de acadêmicos de várias partes dos Estados Unidos e da Europa, em um bate-boca de PHDs bastante incomum. Os ianomâmis também são ouvidos e daí fica claro que, mesmo com toda essa confusão entre doutores, quem saiu perdendo e viu sua cultura ser pisoteada pelos ocidentais foram os índios. E se instala a discussão filosófica: até que ponto a antropologia pode interferir nos povos que estuda?
Pode parecer assunto para universitários, mas o debate traz assuntos para deixar ninguém sem opinião. O antropólogo norte-americano Napoleon Chagnon foi um dos primeiros, em 1968, a chegar na região do rio Orinoco, na Venezuela, e estudar os ianomâmi, talvez a última civilização intocada de nossa era – eles não conheciam o homem branco e, dependentes apenas da selva, proporcionavam um mergulho em milhões de anos na evolução
Depois de viver anos entre os índios, Chagnon publicou um livro afirmando que, apesar do aspecto cortez, eles cultivavam uma cultura violenta, de guerra entre tribos, que era refletida na reprodução: índios com ao menos um homicídio nas costas tinham mais esposas e filhos do que os outros. Kenneth Good questionou com veemência essas afirmações, defendendo em outro livro que os ianomâmi eram pacíficos, mas não tinha muita moral para falar: em seus anos morando na Amazônia, casou com uma índia de 11 anos, com quem teve três filhos e causou polêmica ao levá-la aos EUA.
Outra história envolvendo crianças passa pelo francês Jacques Rizot, que assinou alguns artigos com Chagnon. Protegido de Claude Lévi-Strauss, um dos maiores pensadores do século 20, Rizot é acusado de introduzir a prostituição entre os indígenas: em troca de produtos como machados, facas e linhas de pesca, mantinha relações sexuais com garotos e jovens da tribo. Religiosos faziam vista grossa (como fazem até hoje) e os patrocinadores continuavam enviando milhões para as pesquisas do antropólogo.
Casos como esse vieram a público no livro "Trevas no Eldorado", disponível no Brasil e escrito pelo jornalista Patrick Tierney. Tierney descobriu que as primeiras expedições de Chagnon à Amazônia, ao lado do geneticista James V. Neel, foram patrocinadas pelo Comitê de Energia Atômica norte-americano, interessado em obter dados de grupos que viviam isoladamente e não tinham anticorpos para doenças comuns, como a gripe. A equipe, então, recolheu amostras de pele, sangue e saliva dos índios e, segundo o jornalista, introduziu deliberadamente o vírus do sarampo e da influenza na tribo, causando dezenas de mortes.
Nenhuma acusação fica sem resposta (a não ser Rizot, que não quis se manifestar), e Chagnon, hoje aposentado, se defende de ter alterado a cultura dos indígenas para sempre da seguinte forma: "Posso até ser culpado, mas se for, também o é toda antropologia como ciência". Assunto para os etnógrafos ficarem meses discutindo, e está aí um dos méritos do filme, que estreou no festival de Sundance.
Em coprodução com a BBC e HBO, Padilha, talvez por isso mesmo, optou por uma narrativa mais do que tradicional – "Segredos da Tribo", nos quesitos montagem, recursos visuais e trilha sonora, parece ter sido feito na década de 1980. Evidencia, porém, o caráter de "denúncia" que o diretor tem perseguido em toda sua carreira. Foi assim com "Ônibus 174", "Garapa", de certa forma em "Tropa de Elite" e deve ser com "Nunca Antes na História deste País", futura ficção com enfoque no escândalo do mensalão. Pode causar certo ranço, mas é inegável: difícil ficar impassível diante da obra dele.

2 comentários:

Janaina disse...

Um antropólogo estuda um povo,uma cultura com o objetivo de divulgar as culturas que muitos de nós não conhecemos.Agora isso não quer dizer que tenham que transmitir doenças e modificar a sua cultuta.Beijos floridos.

Angela Ursa disse...

Concordo totalmente com você, Janaina. Os antropólogos não devem modificar as culturas que estudam e, principalmente, causar danos como esses. Beijos da Ursa!