quarta-feira, 29 de março de 2006

Imagem e matéria enviados por Ras Adauto à Lista de Literatura Indígena

Cinema Katukina
(trecho de matéria publicada no jornal O Globo)
Arnaldo Bloch
Dos 12 índios katukinas que desembarcaram ontem no Rio — para lançar, de hoje a domingo, no Museu da República, o documentário “Noke Haweti” (“Quem somos, o que fazemos”) — 11 jamais tinham deixado os limites da aldeia de onde vêm, na fronteira do Acre com o Amazonas. A jornada acontece na esteira de uma tendência recente, de documentários feitos por cidadãos de comunidades socialmente desfavorecidas, após programas de capacitação técnica (como a série “Revelando Brasis” ou o filme “Falcão — Meninos do tráfico”, da Central Única das Favelas, exibido semana passada no “Fantástico”).
à frente do grupo, o índio Benjamim André Shre Katukina, de 36 anos, figura proeminente da aldeia, foi procurado há um ano pela cineasta carioca Nicole Algranti, que o convidou a aprender os fundamentos do cinema e a vir ao Rio assistir a uma bateria de filmes. De volta à aldeia, veio a insólita proposta: dirigir um documentário sobre o próprio povo.
— Eu nunca tinha ido ao cinema, aqui na aldeia não temos TV nem espelhos. Não são coisas do nosso mundo. Foi muito difícil, mas agora eu posso dizer que consegui ultrapassar a barreira sem perder minha identidade. Ao contrário, ela se fortaleceu, e é bonito ver os nossos velhos sorrindo, surpresos. Antes eu produzia material didático para escolas indígenas, e me expressava através da nossa pintura corporal e de algum artesanato. É algo espantoso de uma hora para outra dominar uma linguagem nova.
Num sapo, o veneno da sorte e da coragem
Tradição não falta aos katukinas. Como tantas outras nações indígenas, sofreram toda sorte de perseguições, foram massacrados nas chamadas “correrias” do fim do século XIX, e reduziram-se a uma população ínfima, de no máximo 700 pessoas, que habitam, desde 1984, 32 mil hectares demarcados na bacia do Juruá (no Acre, próxima da cidade de Cruzeiro do Sul), em quatro aldeias.
Há uma quinta, cravada no mato, a dois dias de caminhada, praticamente sem contato com os brancos, mas, de resto, têm seu território cortado ao meio por uma estrada, a BR-364 (o asfaltamento recente caiu como uma bomba tóxica nas margens das aldeias).
A ausência de um rio grande — são apenas dois igarapés a banhá-las — faz com que a caça (com arco e flecha ou espingarda) e a fruticultura sejam seus principais modos de subsistência. Apesar de todas as dificuldades, os índios têm uma coesão impressionante. Nas comunidades só falam o próprio idioma (da família Pano, falado por 40 mil pessoas nas amazônias brasileira e peruana) e só vão à cidade comprar sal, sabão e munição, com o dinheiro da aposentadoria dos mais velhos e dos poucos que trabalham fora da aldeia.
Filmado em julho de 2005, “Noke Haweti” é um corte interessantíssimo no cotidiano das aldeias katukina. Os 54 minutos de filme passam rápido e é um prazer ouvir os depoimentos na melodiosa língua ancestral (com legendas em português, inglês, francês ou alemão), partilhar do humor peculiaríssimo dos seus habitantes, acompanhar festas, brincadeiras coletivas e jogos de sedução, e conhecer seus mitos e crenças.

Momento marcante é, após dias de uma maré de azar na caça, o passo a passo da medicina do sapo Kampo ( Phyllomedusa bicolor ), que serve para dar sorte nas expedições, trazer coragem e força vital: a extração do veneno e a sua aplicação na pele associada a leves queimaduras a carvão sobre o corpo são mostradas em detalhes, bem como a maneira como cada um interpreta o efeito do veneno na corrente sangüínea. A dança da folha, para limpar a energia entre homens e mulheres, e a do chicote, para espantar a preguiça, são outras bonitas passagens. O filme retrata também os problemas causados pela localização da aldeia, como, por exemplo, a poluição do ar, o sumiço de animais para a caça e a zoeira, na época do verão, provocada pelo fluxo de carros e caminhoneiros.

6 comentários:

Lia Noronha disse...

Ursa: deve ser bem interessante esse documentário.
Abraços bem urbanos..e obrigada pela visita ao meu Cotidiano.

Lia Noronha disse...

Boa noite de quarta-feira minha amiga Ursa.
Beijos mil.

Anônimo disse...

Uau! que aventura fantástica,o filme deve ser uma beleza e rico em depoimentos.
Linda noite e um ótimo dia minha querida,
beijossssssssssss

Angela Ursa disse...

Lia, gosto muito de visitar o seu Cotidiano poético. Beijos e flores da Ursa :))

Márcia Clarinha, eu queria poder assistir a esse filme. Se você for ao Museu da República, depois me conte ;)) Beijos da Ursa

Anônimo disse...

Puxa....

Que aventura né.......
Bjs.....

Angela Ursa disse...

Diana, parece mesmo muito interessante o filme. Beijos! :))