quinta-feira, 12 de abril de 2007


Sobre o uso do fogo e o manejo indígena
(trechos extraídos de estudo de Mauro Leonel - Fonte:
Scielo Brasil)

Em ecossistemas frágeis

Em ecossistemas mais frágeis, como entorno aos rios de água preta - como é o caso do rio Negro - os índios adotam também práticas extremamente mais reguladas do que se acredita, como indicam os estudos, hoje clássicos, de Berta Ribeiro, a incansável companheira de vida e trabalho de Darcy. Berta (1995) relata que as épocas da derrubada e da queima são determinadas por conhecimentos acumulados e complexos, por exemplo, pelo surgimento das constelações: 19 delas, são seguidas de 19 chuvas com curtos períodos de estiagem, oportunamente aproveitados para a queima e derrubada. A descrição da antropóloga demonstra a sabedoria de verdadeiros ecólogos, pois o movimento das constelações e chuvas é correlacionado com a piracema, com a subida dos peixes, com a maturação das saúvas, das térmitas, dos gafanhotos, das larvas de borboletas, dos cogumelos, das rãs, todos alimentos valorizados na dieta indígena. As estiagens são correlacionadas com o brotar das frutas. Pode-se estimar quantos especialistas a nossa ciência compartimentalizada precisaria reunir para integrar tal conhecimento.

Os Desana, grupo estudado por Berta, escolhem os cinco a quinze dias sem chuvas, curtos "verões", para a queima das roças já abertas pela derrubada. O ano indígena no rio Negro inicia-se em outubro, quando surgem quatro constelações com chuvas simultâneas: é o sinal para a derrubada. Em novembro amadurecem as frutas abriu e ingá (1995: 108). Em média, a roça é aberta três meses antes da queima e realizada de preferência num período em que os indígenas sabem prever sete dias de sol forte para a limpeza e a fertilização se darem em uma só empreitada e, para que o fogo consuma toda a madeira, previamente destinada para esse fim, queima rapidamente seguida pelo plantio, após a adubagem pelas cinzas. Quando as fruteiras deixam de oferecer o ingá o plantio se inicia, no período em que surge a nutritiva pupunha, coincidindo com uma constelação que lembra um fêmur de tatu - aliás denominada tatu - seguida de chuvas como as demais formações celestiais. Outra fruta, a cucura, faz par com a pupunha amadurecendo em março e abril, duplo sinal para que seja realizada a nova queima de limpeza e manutenção da roça derrubada em dezembro.

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Os ensinamentos do manejo indígena
Enfim, o que ensina a agricultura indígena é o que a arrogância colonial recusou-se a aprender com ela: destruir a vegetação endurece o terreno, diminui sua permeabilidade aumentando o escoamento de nutrientes e acentuando a erosão, impedindo a acumulação de húmus e perdendo a água, pois já não a retém. Quanto maior o intervalo entre a derrubada e o segundo plantio, maior é o dano e mais lenta a recuperação (Meggers, 1987: 44). O manejo indígena é também um exemplo da superioridade da policultura, uma vez que a diversidade protege espécies contra intempéries e pragas pela altura diferenciada das espécies ou pela dispersão que cria refúgios para espécies vegetais e animais, segundo Ribeiro (1990: 61). Cita como exemplo os Munduruku, que também praticam a roça itinerante. A cultura agrícola dominante quer obcecadamente transformar a cultura itinerante em cultura permanente, a seu modo monocultural, quando o saber indígena demonstrou que as "ilhas" de recursos apenas poderão resultar nas florestas tropicais pela policultura, que resulta em florestas antropogênicas convivendo com o ser humano, ao contrário da cultura compartimentalizada e uniforme da mentalidade colonial exportadora.

4 comentários:

Anônimo disse...

Angela, achei um barato esse trecho:
"A descrição da antropóloga demonstra a sabedoria de verdadeiros ecólogos, pois o movimento das constelações e chuvas é correlacionado com a piracema, com a subida dos peixes, com a maturação das saúvas, das térmitas, dos gafanhotos, das larvas de borboletas, dos cogumelos, das rãs, todos alimentos valorizados na dieta indígena. As estiagens são correlacionadas com o brotar das frutas. Pode-se estimar quantos especialistas a nossa ciência compartimentalizada precisaria reunir para integrar tal conhecimento."
Realmente, o ecossistema é muito mais integrado do que imaginava.
E é a falta desse conhecimento tão simples, mas tão complexo que está nos levando a viver todos esses absurdos no planeta.

Luma Rosa disse...

Angela, você soube do último relatório sobre o clima global e o que irá acontecer com norte e nordeste do Brasil? Desolador! Nem precisava de estudos, quem lida com a terra sabe muito mais o que está acontecendo.
Beijus

greentea disse...

gosto destes conhecimentos que nos transmitas sobre estes povos.

um beijo

Angela Ursa disse...

Gená, é verdade. Se esses ensinamentos fossem utilizados por todos, o nosso planeta não estaria sofrendo tanto atualmente. Beijos!

Luma, eu tenho ficado bastante preocupada com as últimas notícias sobre o aquecimento global. Será que, finalmente, vão tentar fazer alguma coisa realmente para tentar frear esse processo destrutivo? Beijos!

Greentea, obrigada! Seria tão bom se esses ensinamentos fossem divulgados e adotados em nosso país. Beijos da Ursa!